19 De Setembro de 2007
A cidade está com um tom de luz fantástico. O sol, as (poucas) nuvens, o céu e as cores das paredes estão conjugados na perfeição.
Não é fácil de descrever, mas iluminou-me e encheu-me a alma, depois do negrume que ontem a envolveu.
Nesta altura de arrumações e triagem de memórias, tive que deitar cartas foras. Foi duro, deitar recordações de amigos para o lixo. Cada papel daqueles envolveu, por quem as escreveu, amor, carinho e saudade por mim, e só as deitei fora mesmo por pura necessidade, mas sinto-me mal por não ser conseguir de alguma forma honrar os sentimentos de quem me quer bem, e teve tempo para me escrever. Há algo de extraordinário numa carta, algo que ultrapassa o simples papel, são sentimentos vividos e emoções reais!
Lá se foram missivas de conteúdo diverso, que provavam que se comunicava e se convivia antes dos sms existirem, e da altura que o e-mail ainda era uma daquelas coisas que se liam nas revistas das tecnologias por vir, e os blogues nem no horizonte da minha imaginação se avistavam.
Hoje tenho o round 2 nesta luta de sentimentos, vou ter que me desfazer de pelo menos de dois terços da papel|memórias que arrasto comigo desde os primeiros dias que vivi em NY. Sei que é papelada que só a mim me dizem algo, mais significam e relembram-me de situações e sítios em que tive e o que lá fiz! São os papéis de 2 anos de alegria, tristezas, conhecimento, crescimento, descobrimento, angustias, saudades e liberdade. Memórias que espero não perderem sentido nem significado na minha tola cabeça. Por outro lado, fazem também parte daquela altura da minha vida, em que me tentei enganar e convencer-me a mim próprio que não era gay. Foi usando uma “máscara” que estas memórias foram compostas.
Só não me sinto pior porque afinal de contas também não vou ter prole a quem tenha que deixar legado histórico!
Outra coisa que me entristece muito, são os livros que tive que deixar para trás. Entre eles a colecção (completa) dos “sete”. Foi com eles que ganhei o gosto pela leitura, e vivi as primeiras aventuras imaginadas juntamente com aquele grupo fantástico. Ainda pensei em doa-los para a biblioteca, mas alguns deles estão demasiado degradados.
Sinto-me a deixar para trás a minha meninice. Mas assim são estes dias de mudanças.
Ainda não sei de este desprendimento forçado das coisas que formaram a minha personalidade, do deitar fora grande parte do meu passado, saber que daqui em diante só na minha memória é continuaram a existir, se me vai deitar ainda mais a baixo. A morte da Lara, agora isto, só me desanima. Talvez esteja na altura de aprender a desprender-me das coisas materiais! Mas tinha que ser logo com as coisas mais difíceis de largar? Coisas que estão intimamente ligadas à minha memória e ao meu próprio ser.
Como é que é possível numa altura de tanta tecnologia, e de formatos digitais dos quais sou adepto incondicional, eu me comova tanto com papéis?
Simples papéis, mas estampados e encharcados de memórias de sítios, pessoas, de choro e de riso, emoções puras e duras. Pessoas e situações que dificilmente vou voltar a ver e sentir.
Nisto de viver do passado e da saudade sou português ate ao âmago. Embora espere pelo que o futuro me traz, o passado está sempre aqui ao meu lado. Não o consigo largar tão facilmente como gostava!
R.